A manhã na Academia Imperial de Elyndor parecia impregnada por uma magia sutil que permeava cada pedra e cada corredor. Pequenas partículas de luz, finas como poeira estelar, pairavam suavemente no ar, capturando o brilho tênue dos cristais embutidos nas abóbadas de pedra ancestral. As paredes pulsavam suavemente, marcadas por linhas brilhantes de mana, como artérias vivas que nutriam o imenso organismo daquela instituição milenar.
Bryan caminhava por esses corredores largos e imponentes com uma calma perturbadora. Trajava o uniforme negro perfeitamente ajustado ao corpo, ornamentado por filetes prateados que reluziam discretamente sob a luz mágica, acentuando seus ombros largos e a postura ereta e confiante. Cada passo dado parecia meticulosamente calculado, como se ele medisse inconscientemente cada palmo do espaço ao seu redor.
Não demorou para que sussurros se espalhassem, leves como o vento e inevitáveis como a curiosidade humana:
— "É ele… não é?"
— "O campeão da Classe E..."
— "Aquele olhar... me dá arrepios."
Garotas paravam suas conversas apenas para observá-lo. Algumas discretamente ajeitavam as roupas, outras coravam ou desviavam o olhar, atraídas e perturbadas em igual medida pela intensidade magnética daquela figura misteriosa. O silêncio que o acompanhava era quase reverente, como se todos sentissem que diante deles caminhava não apenas um novato, mas uma incógnita viva.
Entre os rapazes, especialmente os nobres veteranos, a reação era mais hostil. Alguns se remexiam desconfortáveis, cerravam os olhos com desgosto, ou exibiam caretas discretas de ciúme e desaprovação. Para eles, Bryan não era apenas um intruso, mas uma ameaça velada à hierarquia sutil que dominava a vida social da academia.
Bryan, entretanto, ignorava tudo e todos. Seu olhar permanecia direto, frio, como se nada ali importasse além do destino à frente: o grande salão conhecido simplesmente como o "Refeitório".
Ao adentrar no amplo salão, a diferença social entre os alunos era visível: o andar superior, reservado aos estudantes de Rank B e superior, exibindo tapeçarias mágicas com cenas gloriosas dos fundadores da academia. Na mesa central superior, destacava-se a princesa Azelia Caelistra, a primogênita da Rainha Solar de Luxhalem. Dona de uma beleza etérea, seus cabelos dourados estavam presos em tranças impecáveis decoradas por gemas flutuantes. Seu olhar violeta, afiado como uma adaga de cristal, avaliava tudo e todos com um desinteresse aristocrático.
— "Jovem Mestre Kareth realmente não resistiu nem até as semifinais?" — comentou Azelia, entediada, tocando distraidamente a borda dourada do seu cálice.
— "Uma verdadeira decepção..." — suspirou Marennys , uma nobre de cabelos escuros, com olhos astutos, representante do poderoso clã de Magos do Vale de Prata.
À distância, próximo às colunas adornadas com runas antigas, um grupo de jovens nobres conversava em voz baixa. Entre eles estava Roldan Freyx, com seus cabelos castanhos claros perfeitamente arrumados, rosto elegante, vestindo um uniforme especialmente modificado com o brasão vermelho-sangue da Casa Escarlate.
Roldan mordia o interior da bochecha com evidente desconforto.
— "Ela sequer olhou na minha direção..."
Um dos amigos zombou, sem piedade.
— "E você esperava o quê, Roldan? Você nem ao menos conseguiu conjurar uma runa intermediária sem tropeçar nas próprias palavras."
Irritado, Roldan apertou o cálice em suas mãos, decidindo, num impulso, aproximar-se da princesa Azelia. Sua voz saiu menos confiante do que pretendia:
— "Lady Azelia, apreciei muito seu desempenho nos duelos de exibição... Sua técnica mágica é realmente excepcional."
A princesa mal ergueu os olhos para fitá-lo, analisando-o com desinteresse absoluto, como quem observa um inseto indesejado pousado à beira de sua taça.
— "E você seria…?"
— "Roldan Freyx, filho do Barão—"
— "Ah, sim," interrompeu Azelia suavemente, sem deixar transparecer nenhuma emoção além do desprezo casual. "O jovem que tentou conjurar um círculo mágico e falhou na frente de toda a turma, certo?"
O silêncio momentâneo foi quebrado apenas pelas risadinhas abafadas das garotas nobres ao redor, fazendo Roldan recuar humilhado, com o rosto ruborizado de vergonha e raiva mal contida.
Nesse exato instante, as portas do refeitório se abriram novamente.
Bryan adentrou o salão com uma presença tão sólida e marcante quanto a de um veterano condecorado. Seu olhar não varreu o ambiente em busca de aprovação ou de um local especial. Ele simplesmente atravessou o espaço, cada passo seu ecoando com um peso sutil e dominador.
Todos os olhos convergiram para ele como se atraídos por uma força invisível e poderosa.
A princesa Azelia, pela primeira vez, ergueu completamente os olhos da taça, sua expressão subitamente mais atenta:
— "Quem… é aquele?"
As outras garotas de sua mesa se inclinaram discretamente para observar melhor.
— "Não o conheço… mas olhe o porte dele."
— "Ele é novo, definitivamente. Talvez seja o campeão da Classe E que mencionaram."
— "Ele parece tão... diferente dos outros. Esses olhos… parecem carregar uma tempestade."
Bryan ignorou completamente os murmúrios fascinados. Sentou-se sozinho, escolhendo uma mesa isolada em um canto estratégico do salão. Sua postura continuou tão desinteressada quanto indiferente. Logo recebeu uma bandeja contendo carne assada, arroz brilhante infundido de mana e um caldo de aroma forte e vital.
Sem nenhum traço de formalidade, Bryan começou a comer, usando as próprias mãos com uma naturalidade quase selvagem. Seus movimentos eram fluidos e ferozes, rasgando pedaços de carne com força controlada, mergulhando o pão no caldo denso e devorando tudo com um vigor quase assustador.
A rapidez e intensidade com que comia chamou ainda mais atenção, provocando sussurros de surpresa e admiração:
— "Ele já está no quinto prato?"
— "Nem parece humano..."
Um grupo de garotas observava fascinadas, uma delas discretamente tocando o lábio inferior com um sorriso intrigado.
Na mesa oposta, Roldan Freyx assistia à cena com olhos faiscando de ressentimento e inveja. Sua voz saiu mais alta do que pretendia, carregada por uma raiva ferida:
— "É impressionante como alguém consegue transformar uma refeição em algo tão grotesco… Parece um animal faminto."
Seus amigos assentiram, encorajando-o:
— "Alguém precisa ensinar boas maneiras a esse bárbaro."
Com o orgulho ferido e a raiva crescendo, Roldan se ergueu lentamente, pronto para confrontar aquele intruso que ousara roubar não apenas a atenção das garotas, mas também o pouco respeito que ainda possuía.
Enquanto isso, Bryan continuava absorto em sua refeição, completamente indiferente às tensões ao redor, como se o mundo fosse apenas uma sombra distante, irrelevante diante da fome voraz e dos instintos que lutava constantemente para conter.
O ar da academia se encheu lentamente de uma expectativa perigosa, como se estivesse à beira de testemunhar algo que alteraria para sempre o equilíbrio precário daquele lugar.
Cabelos castanhos claros em anéis. Postura de herdeiro. Manto escarlate sobre o ombro. Seu nome estava associado à Casa Freyx de Regna — uma das doze casas altas com direito a voto na Câmara Imperial de Elyndor. Seu grupo era formado por outros três nobres de menor expressão, que o seguiam como cães domesticados em busca de restos de prestígio.
— "Olhem para isso..." — Roldan disse, com um sussurro forçado que reverberou como insulto. — "O novo primata da academia... devorando como um ogro faminto. Será que veio direto das cavernas?"
— "Talvez das masmorras..." — murmurou o segundo, rindo.
— "Ou do estábulo... ouvi dizer que plebeus fedem." — o terceiro comentou, entre dentes.
Roldan se ergueu. O refeitório era amplo, com um encantamento de amplificação auditiva automática — pensado para que discursos de honra ou chamadas dos instrutores fossem ouvidos. Mas quando ele falou... não foi por acaso que todos ouviram.
— "Ei, campeãozinho da Classe E... isso é uma academia, não uma pocilga. Que tal aprender a usar talheres como os humanos?"
Bryan não respondeu.
Simplesmente rasgou mais um pedaço de carne e mastigou com calma.
As conversas pararam.
Roldan andou. Seu grupo o seguiu, como sombras mal-intencionadas.
— "Você acha que essa aura de lobo solitário impressiona alguém? Na capital, gente como você limpa botas de verdadeiros caçadores."
Bryan terminou de engolir. Depois, levantou os olhos. Seus olhos âmbar pousaram em Roldan como se o medisse... e não gostasse do que viu.
A mão dele deslizou até o copo de vidro. Bebe o resto do líquido — um vinho raso, adocicado — e pousou o copo devagar.
O som do vidro tocando a bandeja... foi o único som por alguns segundos.
— "Desejo mais poção de carnes" — Bryan respondeu secamente e desviou o olhar, com desdém como se Roldan não valesse mais seu tempo.
O refeitório silenciou completamente.
E os olhos de Roldan... brilharam de raiva contida.
O punho de Roldan cortou o ar com uma fúria cega, impulsionada mais pelo orgulho ferido do que pela técnica. Bryan, ainda sentado, inclinou-se apenas o suficiente para que o soco passasse rente ao rosto, com um sibilo quase inaudível. Um silêncio breve pairou no salão.
— Seu maldito...! — rosnou Roldan, avançando novamente.
Bryan levantou-se num único movimento fluido, os olhos âmbar agora marcados por um brilho sombrio, como se algo profundo e primal tivesse despertado. Antes que Roldan pudesse entender o que acontecia, a mão de Bryan, envolta numa aura escura quase imperceptível, atingiu-lhe o queixo com uma força avassaladora.
O som foi brutal— um estalo seco, um estilhaçar de ossos. Roldan voou para trás como se tivesse sido arremessado por uma besta enfurecida, batendo pesadamente contra uma mesa próxima, derrubando pratos e copos que se partiram numa cacofonia metálica e vítrea. Sua mandíbula pendia grotescamente deslocada, o rosto deformado por dor e choque, sangue escorrendo pelo canto da boca.
— Isso não pode ficar assim! — gritou um dos amigos de Roldan, investindo contra Bryan, espada mágica já em punho.
Bryan o interceptou com uma frieza animal. Agarrou-lhe o pulso num aperto de ferro e girou violentamente, torcendo o braço até o som nauseante do osso quebrando ecoar pelo refeitório. Um grito estridente de dor cortou o ar, enquanto Bryan, indiferente ao sofrimento do adversário, lançou-o ao chão como um saco de lixo.
Nesse instante, Bryan não era mais um simples estudante, mas uma força descontrolada de natureza feroz. Seus olhos reluzentes, manchados por uma aura vermelha sombria, transbordavam algo mais sinistro do que mera raiva — uma fome primitiva e brutal. Um sorriso distorcido surgiu lentamente em seu rosto enquanto ele caminhava para Roldan, que tentava inutilmente arrastar-se para longe.
— Eu... eu peço desculpas...! — gemeu Roldan, desesperado, tentando recuar em pânico enquanto o sangue pingava sobre o chão de pedra lisa.
Bryan não respondeu. Sua mão agarrou firmemente o braço direito de Roldan. Sem hesitação, aplicou uma pressão brutal. O braço se dobrou num ângulo impossível, o estalo seco misturando-se aos gritos dilacerantes do jovem nobre. Ainda assim, Bryan não parava, movido por uma crueldade primitiva que ele não conseguia mais controlar.
— Chega! Pare imediatamente! — uma voz feminina, firme e autoritária, atravessou o caos.
Antes que Bryan pudesse reagir, um impacto poderoso o atingiu em cheio. Uma onda mágica dourada acertou seu corpo com tamanha violência que ele foi lançado a vários metros, colidindo contra a parede oposta do refeitório. O impacto rachou a parede, fazendo cair pequenos fragmentos e levantando uma nuvem de poeira fina.
A dona da voz emergiu entre os estudantes apavorados e admirados. Era uma jovem com aparência nobre e distinta, cabelos escuros como ébano presos num coque alto, olhos verdes afiados e decisivos como esmeraldas. Seu uniforme branco impecável indicava claramente sua posição elevada — uma integrante do Conselho Estudantil.
— Eu sou Selene Vaenrys, membro do Conselho Estudantil da Academia Imperial. Este comportamento é absolutamente inaceitável! — sua voz ecoava como aço, cortando o silêncio pesado que se instalara. Ela encarou Bryan com intensidade, sem medo algum, sua mão ainda vibrando com energia mágica residual.
Bryan ergueu-se lentamente, a aura vermelha desaparecendo de seus olhos como fumaça dissipada pelo vento. Olhou ao redor, perplexo, percebendo aos poucos o horror estampado nos rostos ao seu redor. Sua respiração, antes descontrolada, agora voltava lentamente ao ritmo normal, enquanto a consciência plena retornava ao seu semblante.
— O que... o que aconteceu? — sussurrou para si mesmo, enquanto observava os corpos caídos, os ossos quebrados, e a mandíbula destruída de Roldan, que soluçava pateticamente no chão.
— Você quase matou um colega — disse Selene, friamente, observando-o com uma mistura de precaução e reprovação. — A Academia tem regras claras. Este tipo de comportamento será reportado diretamente à Diretoria.
O salão permanecia em silêncio sepulcral enquanto Bryan, ainda um pouco atordoado, passava lentamente pela multidão. Os alunos afastavam-se, criando um corredor invisível pelo qual ele caminhava em direção à saída, sentindo a cada passo o peso dos olhares curiosos, assustados e chocados. Uma sensação amarga tomou conta de sua garganta, mas ele não demonstrou nenhum sinal externo disso.
Quando finalmente saiu do refeitório ,
Bryan atravessou a porta do refeitório em passos lentos, sentindo o peso silencioso dos olhares às suas costas. Já do lado de fora, no corredor quase vazio, permitiu-se respirar profundamente, tentando recuperar o controle total sobre si mesmo. O corredor parecia frio, silencioso, as paredes pulsando suavemente com a energia mágica que iluminava discretamente o ambiente.
Antes que pudesse seguir em frente, uma voz suave, porém firme, chamou sua atenção:
— Bryan.
Ele virou-se lentamente. Laerith estava parada a poucos metros de distância, uma expressão serena no rosto. Seu olhar azul claro analisava-o rapidamente, detectando algo sutilmente diferente em sua postura, embora sem perceber exatamente o quê.
— Estava procurando você — continuou ela calmamente. — Recebemos um aviso em nosso dispositivo digital. e você esta atrasado, precisamos ir imediatamente ao auditório principal. Haverá uma apresentação das regras da Academia, vamos conhecer nossos professores e os campos de treinamento. As aulas começam em breve.
Bryan assentiu lentamente, tentando esconder o turbilhão interno que ainda sentia. Seu rosto retornou à habitual frieza, não revelando nada do caos que acabara de deixar para trás.
— Certo — respondeu simplesmente. — Vamos.
Laerith observou-o atentamente por um breve instante, mas decidiu não perguntar nada mais naquele momento. Virou-se em direção ao auditório, enquanto Bryan a seguia em silêncio pelo corredor.