A cidade agonizava sob o peso da própria decadência, sufocada entre o concreto desgastado e o céu cinzento que filtrava um sol incapaz de aquecer mais do que meras lembranças. Prédios antigos e escuros erguiam-se ao longo das ruas, alinhados como sentinelas esquecidas pelo tempo, suas paredes manchadas pelo fuligem e pelo abandono. O asfalto rachado reverberava cada passo silencioso que Bryan dava, como se ele próprio fosse uma sombra a deslizar por entre a desolação.
Nada em sua aparência chamava atenção, nada gritava perigo. Usava roupas neutras e discretas—calças escuras, um casaco leve desgastado pelo tempo e botas surradas. E, ainda assim, havia algo nele, um instinto profundo de perigo que fazia com que os olhares deslizassem por seu rosto sem realmente percebê-lo, como se ele fosse uma presença que o inconsciente dos outros se recusava a reconhecer. Uma habilidade adquirida em anos de treinamento, uma técnica aperfeiçoada pelo instinto e pela sobrevivência: o talento singular de se tornar invisível em plena luz do dia.
Após atravessar três quarteirões sem que qualquer olhar de fato o registrasse, Bryan finalmente dobrou a esquina ao lado de um bar abandonado. Ignorou o cheiro azedo de óleo velho e mofo que emanava do prédio fechado, focando no edifício que buscava. Estava espremido entre uma loja de artigos religiosos há muito fechada e uma tabacaria decadente cujo letreiro piscava de maneira irregular, refletindo na poça de água suja que se acumulava na calçada.
Ele entrou sem hesitar.
O interior parecia suspenso em um tempo diferente, as paredes amareladas marcadas pela umidade e pelo desgaste. O carpete velho abafava seus passos, mas não o peso das lembranças que Bryan carregava em seu peito. Aquele era um posto avançado oculto da organização Trindade—disfarçado como um escritório qualquer, e ainda assim cada mínimo detalhe denunciava sua verdadeira finalidade. As câmeras discretas escondidas em meio às manchas das paredes, o silêncio artificialmente tenso que pairava no ar, e o leve zumbido dos sensores ocultos que escanearam seus olhos antes de permitir sua entrada.
Ninguém veio recebê-lo. Não era necessário. Eles sabiam que Bryan viria.
Chegando ao terceiro andar, diante da porta final, ele encarou a simples placa metálica gravada com apenas uma palavra fria: "DIRETOR". Um título quase irônico. Todos ali sabiam que Byron não dirigia nada—ele controlava, manipulava destinos com precisão cruel, decidindo o rumo das vidas com o mesmo descaso com que um carrasco puxa a alavanca da forca. Bryan respirou fundo. O ar era denso ali, impregnado com um aroma pesado de tabaco velho misturado a algo ainda mais sombrio—algo que lembrava sangue seco, embora nenhum resquício físico pudesse ser visto.
Girou a maçaneta e entrou.
O interior era menor do que recordava. Ou talvez fosse apenas a presença imponente de Byron que fazia o lugar parecer opressivamente apertado. Sentado atrás da mesa, o homem mantinha a postura impecável de sempre—coluna ereta, mãos entrelaçadas, expressão neutra e fria como uma máscara de pedra. As cicatrizes em seu rosto, lembranças permanentes de batalhas travadas longe dos olhos da lei, delineavam uma autoridade severa, cravando em sua pele o mapa de uma vida vivida nas sombras.
— Bryan. — A voz de Byron soou como madeira seca rachando ao fogo, sem emoção alguma.
— Byron. — Respondeu Bryan, com um tom igualmente seco, mantendo os olhos fixos no mentor.
O silêncio se estendeu entre eles, pesado como uma sentença. Não havia calor ou afeto, apenas o reconhecimento frio e funcional entre um mestre e sua arma mais letal.
— A missão está concluída. — Bryan finalmente disse, retirando lentamente um envelope do bolso interno do casaco e colocando-o sobre a mesa com um leve ruído metálico.
Byron pegou o envelope e analisou seu conteúdo sem pressa. Fotografias, documentos detalhados, relatórios completos. Por um momento breve, seus olhos refletiram algo que poderia ser orgulho, ou talvez desdém. Quando finalmente fechou o envelope, suas palavras cortaram o ar como lâminas afiadas.
— Você sempre entregou mais do que eu esperava, Bryan. — Byron disse lentamente, como quem reflete em voz alta. — Por isso mesmo, é difícil aceitar que você não é mais útil para nós.
Bryan sentiu o ar escapar lentamente dos pulmões, um vazio frio ocupando seu peito antes mesmo que pudesse compreender o que fora dito. Antes de conseguir reagir, um movimento quase imperceptível—um flash prateado—e então uma dor absurda tomou conta de seu corpo. A lâmina penetrou fundo, atingindo-o como uma estocada precisa, roubando-lhe o fôlego antes mesmo que percebesse plenamente o que havia ocorrido.
Seus olhos se arregalaram em choque enquanto encarava a arma cravada em seu peito. Um fio escuro de sangue escorreu lentamente pela lâmina, tingindo sua camisa em uma mancha rubra que crescia rapidamente. A dor era como fogo líquido se espalhando em suas veias, ofuscando sua visão e enfraquecendo suas pernas.
— Por quê...? — Bryan conseguiu murmurar, sua voz falhando enquanto tentava compreender a traição.
Byron permaneceu impassível, encarando-o com olhos gelados, vazios de qualquer remorso ou arrependimento. Sua voz saiu calma, fria e terrivelmente racional.
— Porque até a melhor lâmina perde o fio, Bryan. E quando isso acontece, você simplesmente a descarta.
Bryan caiu de joelhos, o chão duro e frio recebendo seu peso sem misericórdia. Sua mão buscou inutilmente apoio no piso encardido, enquanto sua respiração tornava-se fraca e entrecortada. Cada batimento cardíaco fazia mais sangue escorrer lentamente por seu corpo, como uma sentença que ele não podia mais evitar.
As lembranças vieram então, rápidas e confusas—o treinamento brutal que Byron havia lhe imposto, as missões, as noites de preparação silenciosa, as vidas que havia tomado sem questionar. Tudo isso para satisfazer aquele homem que agora o observava com indiferença fria, como se Bryan fosse apenas mais um documento velho a ser queimado, um detalhe descartável no jogo sangrento que a Trindade jogava com vidas humanas.
O gosto metálico do sangue inundou sua boca, sua visão começou a escurecer lentamente nas bordas. Passos leves ecoaram no corredor atrás de Byron, vozes abafadas e distantes—testemunhas indiferentes do fim daquela história.
Bryan tentou falar novamente, buscar uma última explicação, uma justiça que nunca existiria. Nada mais veio além de um suspiro fraco e sufocado. Sentia o frio penetrar seus ossos, sua consciência deslizando lentamente para o vazio.
Byron aproximou-se lentamente, olhando para baixo, analisando o corpo caído com a mesma expressão indiferente com que se analisaria um objeto quebrado.
— Você foi meu melhor trabalho, Bryan. — Byron murmurou em voz baixa, quase melancólica. — E é exatamente por isso que preciso te descartar.
Essas foram as últimas palavras que Bryan ouviu enquanto o mundo lentamente se apagava ao seu redor. Naquele escritório esquecido e sombrio, cercado por paredes envelhecidas e impregnadas pelo cheiro de sangue e traição, Bryan sentiu finalmente a escuridão tomá-lo completamente.
No fim, a última coisa que restava era a certeza amarga e dolorosa de que tudo pelo que vivera—cada vitória, cada sacrifício—não passava de uma grande e terrível mentira. E que agora não havia nada além do silêncio frio da morte para recebê-lo.